Na passagem de Joaquim.

Joaquim, é uma história. Dizia-lhe a mãe ao repousar-lhe a febril cabeça na mão. Os sonhos que te esventram o sono, encerram-me o coração, mas de nada servem estas palavras se não se te amarram as lágrimas afilhadas da má hora. Infinitas são as letras da sorte e imaginárias as palavras de azar. Circundaram-te no feto crioulo os transeuntes do horizonte e o fármaco único das montanhas de aprendiz, e tranquei eu as portadas da luz rarefeita com o espículo do toldar das noites e o tridente ferrugento de Onutpen o caçador. Infeliz e sem êxito.

Joaquim cresceu aos olhos da avó. Carambolas de flores e ramos de rosmaninho de prata. Ardósias do temporal construíram-se na vila Rural Magenta e percorreram-se os caminhos fechados dos pintores da escuridão. Também viveu felicidades em neve, branca branca, e navegou de uma só vez o sentimento na peregrina perdição da mulher que viajou do sul. Estudou as chuvas da solidão e a arquitectura secular dos habitantes da natureza, e dormiu nos pedregosos espruces coníferos da recém-habitada terra do gelo verde.

Amedrontem-se os que têm na luz do fundo do túnel o fim. Jô aqui, quer ver que corpo emite a luz, que dita o fim do túnel. Que choros se digladiam na noite atrás da luz, ou que luz alimenta o volume da ternura que encadeados, pela luz do túnel, não vemos.

Joaquim iletrado escreveu as maravilhas do retalho moderno, e verteu a sua primeira lágrima adulta no esborratar do rímel com a língua, no embaciar dos cílios eucariotas do rosto, e na narrativa do usurpador de batons com os dentes.

Equilatrem-se os muros do triângulo do tempo.Joaquim é uma história.

Prenuncio primeiro sobre a morte de Baltazar

Saía a cortina de fumo da água. Cerca da hora em que o dia passa o testemunho à sempre emancipada madrugada,e a figura cerrou-se em si. Ouvia-se a relva húmida da geada e cheirava no ar ao cântico sonolento da última estrela que não se avista da cidade. Bermudas meio justas, a destacar o joelho, de padrão miami praia. Um sol já escurecido e umas palmeiras, em meados da colecção primavera/verão, desgastadas já pelo vento que continuamente lhes raspava a pele.

O percurso do herói começou cedo, e isso concede-lhe que não liguemos á ausência de roupa no tronco. Alguns arranhões nas costas, e as bochechas vermelhas e inchadas. Talvez exista igualmente uma marca de luta por cima de um dos olhos que quase passava despercebida. Na edição primeira do manual do contador de histórias não era explicíto que tivessemos de o destacar e, em algumas casuais situações, o narrador confessa sentir-se perdido na linha da trama.

E assim se encontrava o nosso herói. Perdido. Preso num pedacinho de um momento, sem um mapa mestre que lhe indique a saída. O mesmo mapa que lhe faltou no inicio. Aquele mapa que não o empurrou para fora do mar que dele fez um naufrágo, que lhe afogou os sentidos, corrompendo-lhe a alma de imensidão e luz, e agora o pôs à mercê do julgamento sempre eterno dos pobres de espírito. Aqui não se ouvem trompetes, nem toca o requiem, nem uma única nota se ouve. Aqui não há mais luz, não há mais sombras nem nébulas. O cântico das sereias de afrodite chegou para lavar o que se tingiu no esgotamento. Os deslavados cardumes da ignorância levaram a melhor, porque pela carneirada do mundo o nosso herói se mostrou. Vidente e sábio, e agora assim.

Quando o narrador abraçou o púlpito não acompanhou a trama. Falou da história eterna que nunca deixa de ser contada. De como os seus narradores se permutam para manter em vida o que queima no conto. E cansado porque a voz o agoniava disse, ainda, que em cinco parárafos poderiamos correr todas as histórias, ou, se quiséssemos, contar a apenas a história do herói que ousou puxar o gatilho contra si no cair da cortina, e do público que aplaudíu de pé a aparição do nunca mais, com o vervor entusiasta de sempre.

A cortina de fumo emergente da água encerrou o acto único do capítulo de pedra. Os joelhos caídos no chão foram o último súspiro de uma alma que se afunda nas mais longínquas promiscuidades do nunca emancipado amanhecer. E quando os raios do sol tocaram o chão em sangue, evaporou-se a cortina de fumo, adormeceram-se os cânticos oscilantes de afrodite. O público trancou a sala onde agora repousa o silêncio, e o narrador tocou de uma só vez o ponto final na trama. Mas história eterna que nunca deixa de se contar não parou. Enquanto Baltazar dormia.

Nota solta para José e Maria revisitados.

Chama-se desespero consentido á quadrícula do sonho que lhe caíu do mosaico.
E o fumo do tabaco exageradamente áspero, aspira-lhe a densa barba do rosto, deixando-o só.
Não se trata de uma última palavra, caiu-se-lhe o fim do tempo aos pés e não mais foi possível a marcha lenta do eternamente.
Desamparados corações que vagueiam no mundo, em busca de um também palpitar comum entretanto perdido no tamborilante eclipse da tinta da china e do rasteiro pedal do tempo.

Ela desacreditou-o. Ele, sempre. Não mais.

Poderia o céu ter sido esse lugar terreno de um e de outro, quando um é outro no imenso singular que os dois são. Mas o pilar do rio é o leito, e os nenufares em peso morto transbordam o embrião hereditário destes dois cegos, que se sonharam nem futéis, nem tributáveis, nem de joelhos, quando a contra-dança das sensações é um pulsar resistente da salvação que ninguém quer.
O camuflado choro dos dias póstumos.

O estorvo que se pérpetua em cada narrativa a que ambos assistem do sofá. Onde se escondem e se sentem confortáveis, prontos para outra valsa da dormência consentida, que se inscreve em uma quadrícula mais do peregrino xadrez em que Rei e Rainha jamais se cruzarão de novo na casa partida.