Hoje em jeito de inicio de semana, capítulo derradeiro dos dois dias semanais que corrompem os trejeitos de um quotidiano demasiado adormecido nas novidades virtuais e nos imaginários despistados pelo trânsito matinal, gostaria de vos deixar com uma recordação comum: o dia em que choveram caveiras de pedra azul, e os druídas do Principe Real, então promovidos a barbudos andarilhos de estilo esbanjador, adormeceram num colchão de cabedal no meio da Praça de Espanha. Boa semana a todos.


Se o inicio do texto fosse "quando eu era pequeno" então estaria triste quando chove. Mas o que me chateava em pequeno continua a chatear-me, só que em doses diferentes e com nomes mais pomposos e descrições mais adjectivo bruto, agora. Desde cedo que me intrigou a minha relação com o chapéu-de-chuva até porque já habitualmente me diziam para parar de jogar á bola na sala, acabaria por mandar qualquer coisa ao chão sentenciando o momento. Dava trampa. 

 Mas a verdade é que o maldito chapéu-de-chuva atravessou toda a minha vida até hoje, ainda não a deixou, e manifesta-se com particular maquiavelismo. Não sou um confesso admirador das nuvens, sobretudo em situação de afogamento urbano. No campo a história é diferente, mas na cidade, pelo menos digna de vénia, a única situação que me ocorre em que chuva é um factor de determinante felicidade é no cliché domingueiro de ressaca e amor no sofá durante todo o dia, sendo que em alguns casos, como o meu, meia manhã de manha do gato normalmente chega-me para manter vivo o espirito chuvoso de janeiro. 

 Voltando á questão de ser criança e de chover, comecei a perder chapéus-de-chuva devia ter ai uns 10 anos. Não sei quantos chapéus de chuva já perdi. Mas confesso que já andei á chuva muitas vezes. Carruagens do metro, do comboio, autocarros, taxis, pastelarias, cafés e restaurantes, escritórios e ginásios, e até verdadeiramente em sitio nenhum eu já deixei um chapéu-de-chuva. 

 Não se trata apenas de me esquecer deles por todos esses lugares. É uma manifestação do meu espirito de comunidade. No caso dos comboios e do metro é claramente isso. Eu deixo os chapéus-de-chuva por ai espalhados para que alguém que não tenha um, mas que consiga chegar ali, molhado ou seco não interessa, possa prosseguir a sua viagem a partir dali protegido das intempéries que sobre ele se possam abrir. 

 Gostava muito de ter mais alguma coisa que escrever acerca deste assunto. Quem sabe até fechar este texto com um quinto parágrafo em jeito de moral conclusiva, ou de concretização de uma ideia importante. Mas não vai acontecer nada disso. Eu simplesmente só perco todos os chapéus-de-chuva que têm o azar de me cair na mão. Quanto a criar, então, um movimento global de permuta de chapéus-de-chuva pela cidade de forma casual e despropositada: talvez mais cinco parágrafos acrescentem tanto como estes últimos. Ou então que pare de chover de vez. Ou então que se foda, vou perder chapéus-de-chuva o resto da vida e permanentemente responder "…ah sim, o chapéu-de-chuva, estava para ai." É de se lhe tirar a gabardina.